imagens (incluindo da capa) de calí boreaz posfácio de Cleide Simões LEIA AQUI
detalhes isbn: 978-85-61824-41-9 | formato: 16 x 23cm | miolo: pólen bold | capa: cartão supremo / fotografia da autora | páginas: 238
estrutura 1. akasha: a palavra menos a língua 2. arcanos maiores: toro de clifford 3. arcanos menores: estendal / islandeses / correnteza, poço e membros / azul laranja aos losangos 4. tela: vislumbre 5. escuridão: artesania da neblina
uma viagem ao fundo do livro
sobre o livro
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"Um trabalho com a linguagem que nos coloca na fronteira entre a prosa e a poesia, além de dialogar com as artes visuais, fazendo com que a obra flerte com a instalação. Ao mesmo tempo desconstrói, para aquilo que chamamos de romance, interpretações mais limitadas próprias deste campo narrativo, e se abre à polissemia. O livro nos coloca ainda naquela tensão entre o dito e o não dito e frente à iminência do acontecer enquanto gênero. a tela finalmente escura, de calí boreaz, é uma obra de uma dicção altamente contemporânea."
— Kafka Edições Curitiba, agosto\2023
"A tela finalmente escura é um livro para se ler com o corpo inteiro. Aos olhos são oferecidos, como um anterrosto, imagens da cidade, da poeta, de homens que se ergueram para a cena flagrada e filtrada pelas lentes e discursos macros, em remissões intertextuais ao cinema, à fotografia, às obras de afins e afetos, às literaturas de origem e tardas, laborando, assim, um imenso diálogo de uma só voz escrita com volúpia interrogativa. O ritmo da imagem é ato superior ao entendimento: a poesia e a neblina oceânica, ainda assim, insistem nesse toque erotizado. O roteiro imagético de uma alma poética e estrangeira inaugura sentidos e relevâncias, dando aos comuns e a si própria a coragem de sacar do privado uma paixão pública, tomando-nos pela mão para uma expansão, operando a literatura com novos materiais. calí boreaz oferece-nos desconcertantes imersões na contemporaneidade poética. a tela finalmente escura é um livro com uma visceralidade incomum. O planeta poesia, enfim, foi habitado."
— Cleide Simões, professora de literatura e crítica literária Belo Horizonte, agosto\2023
"Atenção: ser poeta não é ser algo a mais — é ser tudo a menos. A escrita de calí boreaz é recôndita, erudita, metapoética e, frequentemente, metafísica. Em "a tela finalmente escura", a vida e o amor pela vida, certamente incerta e imprevista, é representada tal qual é, como fotos que parecem desconexas e desfocadas (muitas ilustram o livro), repentinamente a saltarem-nos na retina.
É curioso notar que os capítulos fulcrais sejam o poema 2 (arcanos maiores), e o poema 3 (arcanos menores): os arcanos maiores do Tarot representam o nosso destino, e os arcanos menores representam o nosso livre arbítrio, escolhas e atitudes. Assim, a poeta lança as cartas na mesa, e o leitor terá que interpretar os seus desígnios, até ao apagar do caos ente luzes e ilusões, ou seja, quando a tela finalmente escurece. Se o mundo não existe a preto e branco, porque é que captamos melhor o que ele diz numa escala de cinzas? Em "terra", um dos arcanos menores, a autora imprevista e desabusadamente fala de si e de sua vida com tal simplicidade e despojamento que até parece ser sincera, muito embora o princípio de que "o poeta é um fingidor" não seja despiciendo. Mania de observar poeticamente o mundo, nunca se prendeu a nada, nem mesmo à arte, muito menos a lugares, menos ainda a corpos, e, no entanto, ali está, numa espécie absurda de espera— esta atitude existencialista é para mim muito óbvia e bem-vinda, julgo até que é a única forma de encararmos a nossa realidade e o mundo que nos cerca; e a invulgar, inóspita e surpreendente escrita de calí boreaz faz jus a esta asserção, com a riqueza e a força do seu pensamento idiossincrático. Deve haver uma relação entre rir de achar engraçado e saber que se vai morrer, ambos exclusividade dos sapiens — definitivamente, calí boreaz veio para ficar."
— Armando Taborda, poeta e crítico literário
Lisboa, setembro\2024
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digo eu:
o que é poesia? o texto menos o que se conta. um certo uso da língua e da linguagem que é fim em si mesmo, em vez de um meio para comunicar ou narrar. fim em si mesmo porque o próprio torcer, inverter, perverter, adentrar, escavar furos, frestas, correntes de ar, infinitos nessa língua-linguagem finita — é o acontecimento, rumo a tocar a solidão particular de quem lê, em refundação contínua do humano, isto é, do que une.
o que é um romance? o texto menos como se conta. alguma história que acontece e que se quer contada.
a tela finalmente escura é um "romance-puzzle em poesia", no qual as fronteiras entre generos literários e artísticos são desafiadas enquanto movimento poético per se; onde a poesia, entendida como eixo essencial, convoca múltiplas formas de linguagem — poemas, o que parece prosa, contos, fotografias, pintura e até trilha sonora — para atravessar uma história,
que avança, por frames não lineares — num jogo de ilusões, sombras e clarões, em flirt com a poética do cinema —, ao longo da perda e progressiva retomada de limites entre os espaços do eu, do amor e da solidão-encontro.
pode ser lido como um romance-puzzle, pois possui uma sequência, uma cadência no caminhar das páginas, uma história que se pressente — inicia, acontece, finda e refinda ao longo de recortes ou flashs que vão compondo uma só paisagem. mesmo os contos surgem para contar partes da mesma história, de forma simbólica, usando personagens supostamente distintos em contextos aparentemente distantes, mas que, em essência, são o mesmo personagem vivendo a mesma quase-escuridão em diferentes momentos conscienciais.
gosto de o chamar um livro de clarões — atirados ao tempo-espaço: relâmpagos que se acendem e se apagam, expondo fendas e vislumbres, e o caminho desavindo. uma viagem pela descorberta da beleza das criações mas também, e principalmente, dos abandonos.
este terceiro livro de alguma maneira funde o amor taquicárdico do outono azul a sul com o niilismo expansional do tesserato, os meus livros anteriores, num grande desmoronamento poético-filosófico. depois do tesserato — o hipercubo — passamos a girar no seu correspondente esférico, o toro de clifford, numa cambaleante imersão nos desvértices existenciais.
à medida que os pontos do livro vão se unindo, o trânsito íntimo entre hemisférios, os rast[r]os de aviões e as luas a medir a velocidade do esquecimento, os personagens amantes, amigos e geográficos, com protagonismo de alguns lugares como Copacabana, o México ou a Transilvânia, ou simplesmente uma janela ou varanda para o debruçamento — são convites ignescentes para se fixar nos pontos de escuridão, em meio ao caos entre luzes e ilusões.
no tarot, este livro seria o arcano da Morte, uma travessia da Morte ao Sol.
é que lembra: toda a varanda quer ser um navio.
mas navio que parte e não se aparta, aperta-se a pertença,
aporta-se a pretensa parte — a porta se abre
[rangem todos os silêncios junto de todos os nomes do mundo]
e então, ao sossego que mora na orla das ruínas foi perguntado: