"o privilégio da criação genuína"
— por Daniel Maia-Pinto Rodrigues, poeta português

[resenha \ recensão crítica publicada na edição 77 da revista InComunidade, fev.2019]



"Quando lemos um livro, é bem provável que nos apeteça encontrar qualquer coisa nunca antes escrita. E não a mesma sopa, onde as lamúrias e as satisfações são exactamente o mesmo, de tão caldeadas e requentadas de autor para autor. Será, talvez, mais fácil escrever assim, com as palavras já mornas e alinhavadas.

Para os leitores que não gostam dessa sopa de letras, dessa irmandade mal-amanhada, aparece outono azul a sul, de calí boreaz. Livro com uma criação própria, outono azul a sul dá-nos – além desse privilégio da criação genuína – a ler imagens de belo recorte, ou de recorte belo. Insólito nas vezes suficientes, bem raciocinado, bem proporcionado em arrepios de quase agradáveis afastamentos, em amavios de luz e cor, leva-nos a fluir na leitura, a fluir e a divagar no tempo. Concorrem a isso filtros turquesa ou delíquios da cor entre as fracturas temporais; aprecio sobremaneira essa energia da calma que este livro reivindica.

O espaço geográfico é tenso; uma peculiar tensão enamorada do Vago. A identidade treme, então, na justa medida que ganha força. A mim parece-me que a autora leva essa força para a sua poesia, esse refúgio sereno do vento, onde as recordações e o oblívio ceiam à mesma mesa.

Ilustrações de elevado bom gosto acompanham o nível do livro.

Eu, velho marialva de títulos caducos, tenho vindo a rejuvenescer com a qualidade literária das recentes autoras. Eis, neste livro, um excelente exemplo dessa qualidade.

Daniel Maia-Pinto Rodrigues
Portugal, 20 de janeiro de 2019"


* Daniel Maia-Pinto Rodrigues, poeta português, nasceu no Porto em 1960. Figura cultuada da cena literária e das tertúlias poéticas dos últimos quarenta anos, tem cerca de vinte títulos publicados, entre os quais A Casa da Meia Distância, Malva 62, Dióspiro — Poesia Reunida e o romance Corredor Interior. Tem ainda textos espalhados em dezoito antologias. Vencedor do Prémio Nacional Foz Côa Cultural em 1993.




outras resenhas \ recensões críticas ao outono azul a sul:

"o melhor de dois mundos",
por Cíntia Moscovich

"é um livro que vai ficar",
por Tiago D. Oliveira


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